Sem título
Eu não sei quando vou conseguir parar de pensar e escrever sobre as enchentes e desmoronamentos no Rio Grande do Sul. Ainda estou vivendo como se a vida não estivesse passando, descolada da realidade. Parando para pensar, parece um estado de embriaguez, como se meu consciente simplesmente se negasse a perceber e registrar.
Sobre as desgraças, não quero falar, temos informações suficientes e não tenho nada a acrescentar. Me dói demais.
Sobre o amor que vem sendo despejado no RS, sim. Eu sinto que todo mundo que teve conhecimento dos fatos embalou o melhor melhor de si e enviou pra cá. Não só mantimentos, água, roupas, colchões, móveis. Também acolhimento, amor. Isso deixa uma marca na gente.
A previsão do tempo para a minha região é de chuva forte e intensa pelos próximos dias. As áreas que já estão fragilizadas devem ficar mais. Veja, na minha cidade nós estamos sem recolhimento de lixo porque os caminhões não chegam onde tem que chegar. Temos um acesso rodoviário só, em direção à Passo Fundo. Todos os outros acessos da cidade, estradas para o interior do município, para a serra…todos estão interditados.
E tem pessoas que tentam fingir/forçar algo de normalidade. A frivolidade de cada dia. Não, deixa eu me corrigir. A frivolidade de cada dia é o que nos mantém, nós — pessoas humanas. Precisamos disso. Falo de capitalismo de merda mesmo, de termos que trabalhar em coisas alheias ao oferecimento de auxílio a quem está precisando. Cumprir prazos e rotinas burocráticas. Comparecer à meetings sobre assuntos não urgentes. Planejar eventos que possivelmente não se concretizarão no tempo e forma que iriam.
Tenho colegas refugiados das águas. Colegas que estão usando a bateria do carro conectada a um no-break para ter acesso a luz e poder mandar notícias pra família. Colegas cujas famílias perderam tudo.
Não estamos em uma situação normal e me dá asco tentar forçar essa normalidade. Escrever e-mails do meu sofá, como se nada estivesse acontecendo.
Me sinto desafiada a sentir todo o espectro de sentimentos. Tristeza, raiva, amor, compaixão, asco.